terça-feira, 2 de março de 2021

A memória e a imaginação


Prefiro a imaginação à memória. Afigura-se-me que, no que diz respeito à quantidade, não existe qualquer relação entre a medida de uma e a medida da outra. Ou seja, uma pessoa pode ter muita imaginação e, simultaneamente, boa memória. Mas também é possível que seja bastante imaginativa e com uma reduzida capacidade de memória. Ou até pode ser que tenha uma memória prodigiosa e pouca imaginação. Ou, finalmente, há quem tenha pouca imaginação e fraca memória.

Não sei exactamente em qual destes grupos poderei me encaixar. Penso que é uma avaliação que apenas poderá ser feita por comparação, e não estou ciente de existir verdadeiramente uma média geral estabelecida. Acho que posso afirmar que tenho mais imaginação do que memória, daí a minha preferência.

Entretanto, constatei que, relativamente à qualidade, elas são profundamente interdependentes. Não obstante das relativas quantidades atrás mencionadas, a qualidade de uma afecta directamente a qualidade da outra. Sendo que, o grau de qualidade é tanto maior quanto melhor for possível traçar a fronteira que separa a memória da imaginação.

Quando as informações fornecidas pela memória são processadas pela imaginação para evocar uma nova imagem (visual, literária, sonora, matemática, não importa), estamos perante um processo criativo.

Paradoxalmente, aquilo que frequentemente chamamos de obra criativa de grande qualidade é uma realização que, justamente, desafia a nossa capacidade de discernir a evocação da memória da intervenção imaginativa.

Esta perplexidade tem, na sua origem, uma incerteza imanente, uma dúvida que sabemos irresolúvel. Assim, apesar do seu carácter íntimo e particular, encontramos muitas vezes no produto criativo artístico, um reflexo do nosso próprio assombro.



 

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