As Tigelas do Algarve estiveram presentes, mais uma vez, na Feira Internacional de Artesanato em Lisboa, na FIL. O David Pires teve a amabilidade de registar algumas imagens. No final, mais uma vez, fica um texto com algumas considerações.
Os fundamentalismos
são a expressão de uma consciência que se agudiza, são o desenvolvimento de uma
especial atenção ao detalhe, dir-se-ia um decaimento fractal. Resultam de uma
reacção à propaganda, e ampla promoção, do conceito de globalização. Os
fundamentalismos são um contraponto à expansão fractal que a globalização
representa.
Individualmente,
bem como em sociedade, no momento de tomar uma decisão, e perante um quadro de
escolhas, aquilo que nos divide é a lâmina das variáveis possíveis. Assim, os
partidos políticos representam uma materialização social das opções disponíveis
na gestão de uma comunidade. O seu frequente insucesso, que temos a
infelicidade de testemunhar, é certamente uma consequência da dificuldade em
percepcionar um fenómeno que a ciência actual denomina de superposição
quântica. Ou seja, de uma forma geral, todos temos uma natural incapacidade de
intuitivamente apreender os contornos de um estado físico onde o interesse
pessoal, o interesse partidário e o interesse da comunidade se sobrepõem. Em
boa parte, este estado de coisas pode ser explicado por um atávico
desconhecimento de si mesmo. Por outro lado, a veneração pela ciência, e toda a
informação exponencialmente gerada pelo progresso científico, é, garantidamente,
insuficiente matéria na confrontação com o dilema ético. No limite, o
conhecimento, o desejo, a intuição, a necessidade, o sonho, tudo converge num
ponto crítico cuja nítida localização reside precisamente no carácter difuso da
sua natureza.
Mas, qual a relação
de tudo isto com as Tigelas do Algarve?
O envolvimento
político das pessoas na sociedade não se resume, obviamente, a um acto
eleitoral. Diariamente, todas as escolhas que fazemos estão a projectar o
resultado de uma reflexão interior (ou não) que tende para uma determinada
direcção. Quando, por razões de ordem diversa, por exemplo, optamos mais
frequentemente pelo transporte particular em oposição ao transporte público,
estamos a posicionar-nos politicamente numa área que, provavelmente, não defenderá
a restrição do acesso automóvel ao centro das cidades. No entanto, se o
transporte particular for uma bicicleta, então, é possível que haja uma mudança
no grupo parlamentar. Da mesma forma, tomamos uma posição quando optamos por
consumir preferencialmente produtos de produção local, ou quando participamos
de forma activa na comunidade através do associativismo, ou ainda, e cá está:
quando procuramos um produto artesanal em detrimento do industrial.
Naturalmente, a
questão do custo é um factor determinante na definição da escolha entre um
produto de origem artesanal e outro de produção fabril. Numa primeira leitura
superficial, adquirir um produto por vinte euros, quando existe a opção de
adquirir um outro, com as mesmas funcionalidades, por um, ou dois euros,
parece, senão uma escolha óbvia, pelo menos, de uma intrigante disparidade
merecedora de uma reflexão sobre a real natureza do custo.
Vejamos, no exemplo
de uma tigela de cerâmica de produção em série: consideremos que a extracção
das matérias-primas, o fabrico e a cozedura das peças exige toda uma outra
indústria de maquinaria que, por sua vez, depende da extracção e tratamento de
minérios para a produção metalúrgica e respectivo transporte, distribuição e
armazenamento. Todos estes processos consomem elevadas quantidades de recursos
e energia, também esta proveniente de uma pesada industrialização e consequente
consumo de mais recursos. No final, dada a vasta quantidade de tigelas
produzidas, o valor comercial de cada peça apresentar-se -á, numa prateleira de
grande superfície, absurdamente acessível.
Por outro lado,
temos o artesão tradicional, que extraiu a matéria-prima de um barreiro próximo
da habitação. Peneirou o barro, amassou-o e deu-lhe forma. Cozeu as peças num
forno construído na terra, com a lenha proveniente da limpeza da mata. No fim,
feitas as contas, ainda que contabilize o seu tempo de trabalhador
especializado ao valor mínimo do mercado, nunca conseguirá competir com os
valores apresentados pelos frutos da industrialização.
Na
produção das Tigelas do Algarve utilizo argila de origem industrial cujos
barreiros se encontram dispersos e bem longe da oficina. O forno a lenha, onde
faço as cozeduras a 1100ºC, foi construído com materiais de produção
industrial, e nem toda a madeira que utilizo na queima provém exclusivamente da
limpeza das árvores. A minha própria presença aqui, na FIA-2017, não seria
possível sem a existência e o apoio de toda uma estrutura industrial. Enfim,
digamos que, relativamente ao binómio artesanato-industria, as Tigelas do
Algarve não têm um posicionamento fundamentalista. Situam-se claramente numa
área de difusa definição. Não pretendem ser mais do que aquilo que são, tigelas
de cerâmica nascidas do genuíno prazer na manipulação dialéctica da matéria.
Fazem, no entanto, parte de um percurso de auto-conhecimento. No seu processo e
finalidade, procuram, de alguma forma, transcender a utilidade meramente
funcional. São, por isso, também, a afirmação de um posicionamento político,
ainda que, sem assento parlamentar.
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