terça-feira, 4 de julho de 2017

FIA 2017


As Tigelas do Algarve estiveram presentes, mais uma vez, na Feira Internacional de Artesanato em Lisboa, na FIL. O David Pires teve a amabilidade de registar algumas imagens. No final, mais uma vez, fica um texto com algumas considerações.











Os fundamentalismos são a expressão de uma consciência que se agudiza, são o desenvolvimento de uma especial atenção ao detalhe, dir-se-ia um decaimento fractal. Resultam de uma reacção à propaganda, e ampla promoção, do conceito de globalização. Os fundamentalismos são um contraponto à expansão fractal que a globalização representa.
Individualmente, bem como em sociedade, no momento de tomar uma decisão, e perante um quadro de escolhas, aquilo que nos divide é a lâmina das variáveis possíveis. Assim, os partidos políticos representam uma materialização social das opções disponíveis na gestão de uma comunidade. O seu frequente insucesso, que temos a infelicidade de testemunhar, é certamente uma consequência da dificuldade em percepcionar um fenómeno que a ciência actual denomina de superposição quântica. Ou seja, de uma forma geral, todos temos uma natural incapacidade de intuitivamente apreender os contornos de um estado físico onde o interesse pessoal, o interesse partidário e o interesse da comunidade se sobrepõem. Em boa parte, este estado de coisas pode ser explicado por um atávico desconhecimento de si mesmo. Por outro lado, a veneração pela ciência, e toda a informação exponencialmente gerada pelo progresso científico, é, garantidamente, insuficiente matéria na confrontação com o dilema ético. No limite, o conhecimento, o desejo, a intuição, a necessidade, o sonho, tudo converge num ponto crítico cuja nítida localização reside precisamente no carácter difuso da sua natureza.
Mas, qual a relação de tudo isto com as Tigelas do Algarve?
O envolvimento político das pessoas na sociedade não se resume, obviamente, a um acto eleitoral. Diariamente, todas as escolhas que fazemos estão a projectar o resultado de uma reflexão interior (ou não) que tende para uma determinada direcção. Quando, por razões de ordem diversa, por exemplo, optamos mais frequentemente pelo transporte particular em oposição ao transporte público, estamos a posicionar-nos politicamente numa área que, provavelmente, não defenderá a restrição do acesso automóvel ao centro das cidades. No entanto, se o transporte particular for uma bicicleta, então, é possível que haja uma mudança no grupo parlamentar. Da mesma forma, tomamos uma posição quando optamos por consumir preferencialmente produtos de produção local, ou quando participamos de forma activa na comunidade através do associativismo, ou ainda, e cá está: quando procuramos um produto artesanal em detrimento do industrial.
Naturalmente, a questão do custo é um factor determinante na definição da escolha entre um produto de origem artesanal e outro de produção fabril. Numa primeira leitura superficial, adquirir um produto por vinte euros, quando existe a opção de adquirir um outro, com as mesmas funcionalidades, por um, ou dois euros, parece, senão uma escolha óbvia, pelo menos, de uma intrigante disparidade merecedora de uma reflexão sobre a real natureza do custo.
Vejamos, no exemplo de uma tigela de cerâmica de produção em série: consideremos que a extracção das matérias-primas, o fabrico e a cozedura das peças exige toda uma outra indústria de maquinaria que, por sua vez, depende da extracção e tratamento de minérios para a produção metalúrgica e respectivo transporte, distribuição e armazenamento. Todos estes processos consomem elevadas quantidades de recursos e energia, também esta proveniente de uma pesada industrialização e consequente consumo de mais recursos. No final, dada a vasta quantidade de tigelas produzidas, o valor comercial de cada peça apresentar-se -á, numa prateleira de grande superfície, absurdamente acessível.
Por outro lado, temos o artesão tradicional, que extraiu a matéria-prima de um barreiro próximo da habitação. Peneirou o barro, amassou-o e deu-lhe forma. Cozeu as peças num forno construído na terra, com a lenha proveniente da limpeza da mata. No fim, feitas as contas, ainda que contabilize o seu tempo de trabalhador especializado ao valor mínimo do mercado, nunca conseguirá competir com os valores apresentados pelos frutos da industrialização.
Na produção das Tigelas do Algarve utilizo argila de origem industrial cujos barreiros se encontram dispersos e bem longe da oficina. O forno a lenha, onde faço as cozeduras a 1100ºC, foi construído com materiais de produção industrial, e nem toda a madeira que utilizo na queima provém exclusivamente da limpeza das árvores. A minha própria presença aqui, na FIA-2017, não seria possível sem a existência e o apoio de toda uma estrutura industrial. Enfim, digamos que, relativamente ao binómio artesanato-industria, as Tigelas do Algarve não têm um posicionamento fundamentalista. Situam-se claramente numa área de difusa definição. Não pretendem ser mais do que aquilo que são, tigelas de cerâmica nascidas do genuíno prazer na manipulação dialéctica da matéria. Fazem, no entanto, parte de um percurso de auto-conhecimento. No seu processo e finalidade, procuram, de alguma forma, transcender a utilidade meramente funcional. São, por isso, também, a afirmação de um posicionamento político, ainda que, sem assento parlamentar.

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