quarta-feira, 3 de julho de 2013

FIA 2013 - II

O som das tigelas 2 from José Pires on Vimeo.


O meu desejo era de que falassem por si.


Após a longa gestação dos gestos sobre a curva do silêncio, a matéria viva do tempo numa espiral de aparente vazio, as tigelas.

Retiradas do incandescente útero do fogo, aguardam ainda o olhar que lhes darão um rosto, os lábios que pronunciarão o primeiro nome.

De início, pareciam, na sua quietude servil, quase invisíveis mãos. Pela sua natureza, dispostas em sobreposição, como as palavras, na tentativa de conter uma ideia, assim, côncavas e simultaneamente uma fronteira, pareciam-me insuficiente testemunho.

Mas a teimosia do sangue manteve o precário equilíbrio dos meus passos numa linha de barro. E os dias do luminoso canto juntaram-se ao negro clamor das tempestades. Misturaram-se, a densa cinza das frias manhãs, com as vozes que dela renascem, translúcidas, como a fina porcelana de um sono condenado ao quotidiano despertar.

O meu desejo, por vezes, era de que permanecessem caladas, ou numa amálgama de ruído sem sentido, no abandono de uma sedimentação vagamente musical.

Nas tigelas, como nas conchas o mar, ouve-se a colmeia das cidades. O meu desejo era de que fossem belas e úteis. Ainda que, qualquer utilidade, sem o propósito de um fim, no lento progresso dos saltitantes passos sobre a linha crepuscular dos dias, pareça ter perdido a memória de um sentido inicial, e a beleza regresse à poeira de um vestígio sem narrativa, numa vaga interrogação fragmentada pelas lâminas do delírio.

As cidades precisam reencontrar a cintilação dessa noite, a aparente quietude dos lagos nos olhos maravilhados. Não importa por isso o preço do presente. O agora é um sorriso que rápido se dilui num oceano de profunda multiplicidade. Demasiado rápido.

O que dizem, só pode ser ouvido por acaso, na vasta dilatação de um instante.

As tigelas respiram antigas presenças, numa lógica submersa, cetácea.

Adormecemos. Voltamos a acordar. Como se as casas, e os caminhos, as árvores, os bichos e as coisas estivessem à espera. Como uma tigela espera por um nome, ou um rosto. Esta, ou aquela entre tantas outras, servil, quase invisível na velocidade dos dias que florescem, nas cidades inflacionadas de tempo e prateleiras de betão e vidro, recarregáveis.


Forjadas num cadinho que sonha, despertam as ligeiras manhãs a correr no cereal, imensas colinas riscadas a lápis de cor, os tractores numa fila paciente, salpicada de colcheias e semibreves notícias do mundo. Diariamente, as tigelas aguardam as minhas áridas mãos. O barro espreguiça-se, lânguido, felino. Ronrona sob a pele acariciada, e salta atrás de um movimento. Não importa que as sombras mintam. Nas histórias que contam há um arrepio de água. A gota apenas necessária para os gretados lábios.

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